Saturday, June 27, 2015

Interview: Ponto central da visita de Dilma aos EUA é melhoria da relação com Obama, diz analista


"Ponto central da visita de Dilma aos EUA é melhoria da relação com Obama, diz analista"
Interview by: Lamia Oulalou

Segundo o especialista em geopolítica Alejandro Sanchez Nieto, brasileira precisa de uma "vitória internacional" e processo para fim de visto poderia ser uma delas
Quase dois anos depois de cancelar uma viagem aos Estados Unidos após as revelações de Edward Snowden de que havia sido espionada pelo governo americano, a presidente Dilma Rousseff desembarca neste sábado (27/06) no país. A visita é apresentada por Brasília como a mais importante viagem da presidente em seu segundo mandato, com o objetivo de restaurar a confiança entre as duas nações e buscar investimentos para estimular a economia brasileira em recessão.
“Dilma Rousseff precisa de uma agenda positiva”, afirma Alejandro Sanchez Nieto (@w_alex_sanchez), pesquisador do Council on Hemispheric Affairs (COHA). Para ele, “o ponto central será a qualidade da relação pessoal entre os presidentes Obama e Dilma, ver se eles conseguem consertá-la depois da briga deflagrada pelas revelações sobre espionagem.”
Especialista de geopolítica, assuntos militares e de cybersegurança nas Américas, ele considera que a baixa popularidade da presidente deveria incentivá-la a tentar deixar para trás o episódio da espionagem. “O elemento mais concreto e que seria mais bem visto pelos brasileiros seria avançar no programa de isenção de visto”, avalia o analista. Segundo ele, EUA poderiam aproveitar a reunião para conseguir uma posição mais crítica do governo brasileiro em relação a Venezuela, “mas não será feito abertamente”. 
Opera Mundi: Passados dois anos da visita cancelada devido ao escândalo de espionagem a presidente Dilma Rousseff vai finalmente a Washington. O que o governo dos Estados Unidos está esperando concretamente desta visita?

Alejandro Sanchez Nieto: Essa é uma pergunta engraçada, porque aqui em Washington há muitas especulações sobre este próximo encontro. Nas últimas duas semanas, houve nada menos de três conferências organizadas por grandes centros de pesquisa dedicadas ao Brasil. E, em cada uma, tinha oradores muito importantes como Roberta Jacobson, secretária adjunto para o Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado, ou Kenneth Hyatt, o vice-subsecretário de Comércio Internacional do Departamento de Comércio. Infelizmente, se estas pessoas tinham uma ideia clara da agenda da reunião, não deixaram transparecer nada de específico. Ouvi falar de muitos temas: o comércio, um acordo sobre a ciência da educação, as alterações climáticas e até as operações de manutenção da paz da ONU (por conta do envolvimento do Brasil na Minustah no Haiti).


Acredito que se algo concreto sair do encontro será provavelmente, um acordo genérico sobre a cooperação com foco em algum tema que não levante nenhuma controversa, como a educação ou a ciência. Acho também que Dilma provavelmente consideraria uma vitória se ela pudesse voltar para casa com um calendário claro para a entrada do Brasil no Programa Piloto Global Entry, que é o primeiro passo para um programa de isenção de vistos. Poderia haver algumas observações positivas de parte de Washington, apoiando o Brasil como ator importante nas questões globais, mas os EUA ainda não vão respaldar uma mudança no Conselho de Segurança da ONU.
O ponto central será a qualidade da relação pessoal entre os presidentes Obama e Dilma, ver se eles conseguem consertá-la depois da briga deflagrada pelas revelações sobre espionagem. Além disso, fico curioso de saber, já que Obama tem ainda um ano e meio de mandato pela frente, se ele prevê uma "turnê de despedida" da América Latina no próximo ano, e, no caso, se ele iria para o Brasil. Isso seria uma iniciativa muito importante, tanto do ponto de vista do marketing e da diplomacia para que seu sucessor possa continuar restaurando os laços entre os dois países.
OM: O senhor é um especialista de segurança. Acha que o tema da defesa e da segurança será abordado durante a reunião?
ASN: Acho que o comercio de armas não será o foco da reunião Dilma-Obama, mas seria interessante que fosse mencionado pelo menos uma vez durante as reuniões das equipes. De fato, já existe uma parceria entre a brasileira Embraer e a empresa norte-americana Sierra Nevada Corp. Foi neste contexto que os EUA compraram 20 aviões.


Um desenvolvimento interessante aconteceu há algumas semanas. A Agência de Cooperação em Segurança, que supervisiona, dentro do Departamento de Defesa dos EUA, as vendas de armas, publicou um comunicado de imprensa no início de junho que aprova a venda de seis aeronaves Super Tucano para o Líbano – um negócio de US$ 462 milhões. O comunicado dizia: "A proposta de venda deste equipamento não vai alterar o equilíbrio militar básico na região”. Eu vejo isso como um grande desenvolvimento, já que mostra que os EUA estão vendendo armas brasileiras para alguns de seus aliados.
OM: O senhor acha que a questão da espionagem já não pesa mais na relação? Mesmo com as últimas revelações do Wikileaks, nesta semana, sobre os grampos ao governo francês?

ASN: Eu suponho que o governo brasileiro ainda veja Washington com desconfiança, mas este sentimento pode ser rastreado até 1964. No entanto, acho que o governo brasileiro, e especialmente Dilma, percebeu que Brasil precisa ultrapassar este receio, já que o país pode aproveitar bastante de relações mais estreitas com Washington. Embora o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009 tenha sido a China, obviamente, nenhum país pode dar ao luxo de perder um parceiro comercial como os EUA.


Acho que a desconfiança pessoal vai continuar, mas Dilma tem problemas internos suficientes, ela precisa de uma agenda positiva.
OM: Como qualificaria a qualidade das relações entre EUA e Brasil hoje?

ASN: Eu diria cordial e aberta do ponto de vista dos negócios, mas não amistosa. Mas, também, queria ressaltar que sempre foi assim. Washington e Brasília têm sido historicamente concorrentes na influência na América Latina e no Caribe. Além disso, quem, neste governo, pode esquecer o papel de Washington no golpe de 1964, quando os EUA enviaram uma frota liderada pelo USS Forrestal? Tenho certeza de que Dilma, com sua historia pessoal durante a ditadura, lembra bem disso.


No entanto, acho que, apesar desta competição por influência, os dois lados têm conseguido construir uma relação cordial, com uma interação social e comercial forte. Como se diz aqui, “live and let live”, ou seja, "viva e deixe viver". O comércio entre os dois países é enorme, em torno de US$ 107 bilhões em 2012. E o se o escândalo da NSA atrapalhou a relação entre os governos, isso não teve impacto sobre as populações. Muitos norte-americanos foram para o Brasil durante a Copa do Mundo e muitos mais irão para o Rio de Janeiro assistir os Jogos Olímpicos. Da mesma forma, em 2015, o Brasil vai enviar cerca de 2,3 milhões de visitantes para os EUA.  As populações de ambos os países não veem um ao outro como uma ameaça, daí seus respectivos governos usam isso como uma base para manter boas relações.
OM: A baixa popularidade da presidente Dilma terá um impacto sobre o encontro com o Barack Obama?
ASN: Dilma precisa de uma "vitória internacional" para tentar melhorar a própria imagem dentro do país. A população brasileira pouco se importaria de saber que Dilma e Obama vão conversar sobre a situação na Venezuela ou Cuba. O que Dilma precisa é voltar com algo que beneficie diretamente aos cidadãos, como o programa de isenção de visto.

OM: Conseguir reatar boas relações com Brasil é uma prioridade para Washington?
ASN: Seria bom, mas não uma prioridade. Obama nunca teve uma “grande estratégia” para América Latina e o Caribe. A visita, deste ponto de vista, não é o sinal de um plano muito pensado pela Casa Branca, é mais um tipo de “controle de danos”. Além disso, Obama tem um ano e alguns meses antes de deixar a Presidência, e tem muitas questões que as quais ele está tentando lidar para deixar um legado completo, tanto no que diz respeito à política interna e como fora do país. Ao nível internacional, Ucrânia, Rússia, a ameaça do Estado Islâmico e o acordo nuclear com Irã são muito mais importantes do que o Brasil. Até porque, para ser franco, não há nenhum problema com o Brasil que não seja a desconfiança provocada pelo escândalo NSA.


Ao nível das Américas, as negociações sobre Cuba e o tema da reforma imigratória são também mais prioritárias. Certamente Obama gostaria de deixar o cargo com boas relações com a maioria dos países da América Latina e do Caribe. Mas isso já aconteceu durante a Cúpula das Américas no Panamá em abril passado, e, antes disso, na Jamaica quando ele se reuniu com os líderes da Caricom. Em ambas as reuniões, ele foi muito bem recebido por seus colegas. Se agora Obama conseguisse melhorar as relações com o Brasil, isso ficaria como uma cereja no bolo.
OM: As revelações da operação Lava Jato acabaram enfraquecendo não só a Petrobras, mas também as grandes construtoras brasileiras. O senhor acha que os EUA querem aproveitar a oportunidade para ampliar a presença de suas empresas no setor petroleiro e da construção?
ASN: Eu não sou um especialista em petróleo, então não posso responder de maneira especifica. Certamente, Washington, como qualquer outro governo, vai se concentrar em seus interesses nacionais e apoiar as suas empresas. Se Obama e seus conselheiros tiverem a oportunidade de empurrar a idéia de que o Brasil deve buscar investimentos estrangeiros no setor de petróleo durante o encontro com Dilma e sua equipe, eles vão fazê-lo. Como eu mencionei, a China é o principal parceiro comercial do Brasil. Por isso, se os EUA podem conseguir ter uma maior presença nos campos de petróleo do Brasil, seria uma boa noticia para eles. Mas duvido que aconteça algo de concreto deste ponto de vista durante esta visita.

OM: Como Washington está vendo o desempenho diplomático e comercial cada vez mais intenso da China no Brasil e de maneira geral na América Latina?

ASN: É claro que Washington sempre acompanha a situação no que se refere à crescente influência de poderes fora das Américas, sejam eles China, Rússia ou Irã. Todos os três países têm vários níveis de relações com o Brasil. Por isso, sem dúvida, Washington está olhando o investimento chinês e outras iniciativas na região, tentando ampliar a própria influência. Por isso, além das iniciativas diplomáticas, tais como a conferência sobre a segurança energética organizada pelo Departamento de Estado, Washington quer intensificar os laços comerciais na região. Deste ponto de vista, finalizar o acordo de TPP seria uma maneira de amarrar firmemente os EUA com aliados como Chile, México e Peru. 

OM: Qual será o impacto da retomada das relações entre Washington e Cuba sobre a visita da presidente Dilma?

ASN: O Brasil tem pedido a reintegração de Cuba no sistema interamericano. Por isso, vê de maneira muito positiva o fato de Obama reatar as relações com Cuba, remover a ilha da lista de Estados que patrocinam o terrorismo do Departamento de Estado, e a próxima reabertura de embaixadas. Se os EUA tivessem vetado (mais uma vez) a participação cubana na Cúpula, não sei se as relações entre os países teriam ficado ainda piores. Teria sido, de qualquer maneira, mais um assunto para discutir, em vez de promover a cooperação.

Gostaria de acrescentar, porém, que, em nível diplomático, estou certo de que Brasília aprova que Cuba esteja ficando cada vez mais perto de voltar a estabelecer relações plenas com Washington.
A possibilidade de que os EUA e Cuba restaurem, além dos laços diplomáticos, as relações comerciais – não dá para saber quando o embrago será totalmente levantado – também representa um desafio para Brasília. Neste cenário hipotético, as empresas dos EUA poderiam investir e ter negócios em Cuba, o que as tornaria concorrentes aos projetos de outras empresas, entre as quais as brasileiras. O Brasil tem investido pesadamente no projeto do porto de Mariel em Cuba, com a criação de uma "zona especial de desenvolvimento" para as indústrias. Então acho que Brasil comemora a retomada das relações, mas o governo deve se perguntar quando esta melhoria vai começar a afetar os investimentos brasileiros na ilha.

OM: O governo dos Estados Unidos vai aproveitar o encontro para pedir uma política mais dura em relação à Venezuela?

ASN: É claro que Washington gostaria que Brasília fosse mais crítico do governo de Nicolas Maduro. Deste jeito, poderiam dizer que os EUA  não são os únicos e que até uma potência latino-americana como Brasil é crítica da Venezuela. Não acho, porém, que isso vai acontecer no curto prazo. O Brasil tem interesses econômicos importantes na Venezuela, e, sobretudo, tenta atuar como mediador para parar a violência em curso lá. Posso imaginar que existe certa frustração em relação a este papel, que foi retratada pela visita dos senadores que queriam ver os líderes da oposição presos, e foram impedidos de fazê-lo.

OM: Esta visita e seus desdobramentos provocaram debates intensos no Brasil sobre o que realmente aconteceu. O Itamaraty chegou a pedir explicações para o governo venezuelano sobre o tratamento dado aos senadores. Este episódio foi interpretado como uma mudança de política do Brasil? O sinal do que o senhor qualificou de “frustração”?

ASN: Acho que as autoridades aqui interpretaram isso mais como um incidente isolado do que uma mudança significativa. Aliás, esta história quase não apareceu aqui na mídia, teve apenas uma matéria de agência que foi reproduzida. Depois disso, não ouvi nenhum porta-voz do governo americano falar do tema. Se você ler os últimos briefings do Departamento de Estado que mencionam que os opositores venezuelanos encerraram a greve de fome e as eleições de dezembro, eles nem mencionam os senadores brasileiros. Para resumir, não vejo Washington pressionar abertamente Brasília sobre isso. Talvez Venezuela, como Cuba, seja discutido quando Obama e Dilma se encontrarem, mas será uma conversa a portas fechadas.

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